quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

chegadas

como que a arrancar com 2011 com coisas que verdadeiramente interessam. até agora, são estas as primeiras 4 grandes malhas do ano :

wretch 32 - traktor (mike delinquent project rmx)

chasing voices - ex nihilo nihil fit

tyler, the creator - yonkers

lady chann - treble to your bass (marcus nasty remix)

^^por opção, abstenho-me de ouvir o original. só pode ser esta a versão definitiva de 'treble to your bass' (pun intended com o seu quê de parvo, mas funcional). com o nasty a crescer claramente enquanto produtor, por via da associação ao bassboy ('shitta' ou 'drip'), seria inevitável que começasse a ser requisitado para outras funções que não a de "dj oficial da uk funky". 'treble to your bass' só se revela na sua plenitude a partir do momento que os graves se impõem. aquele primeiro acorde de piano a instaurar uma aura de tensão que encontra paralelo galvanizador na linha de baixo que irrompe lá para meio. sem grandes apetrechos melódicos, o sintetizador que surge dos confins corrobora todo o confronto entre alienação e comunhão que tenho vindo a louvar por diversas vezes neste espaço. a própria voz da lady chann assume uma posição intermédia, enquanto mensageira para que a confluência enunciada na premissa de "treble to your bass" faça sentido factual.

:

duas resenhas em que abordo a necessária e lenta "profissionalização" da uk funky, por via de dois dos seus maiores nomes. constituirão com o devine collective (ainda não tive oportunidade de ouvir house girls - the album) os três nomes maiores hipóteses de alcançarem reconhecimento fora do espectro, depois da mediania generalizada e silêncio dos crazy cousinz e da intermitência de fuzzy logic. excluindo os nomes do roska e do lil silva desta equação por uma questão de conforto (i.e. transversalmente aceites). ainda assim, tudo isto poderá cair em saco roto. 'siegalizer' tinha tanto potencial de crossover (não no sentido mais comercial entenda-se*) e o que aconteceu ao apple?

ill blu - meltdown

funkystepz - fuller / hurricane riddim

*sobre isto, qualquer especulação parece ainda mais infundada. a tendência até parece ser um certo afastamento de uma estrutura mais estrita em direcção à canção, para um aceitamento generalizado da voz enquanto meio condutor para todo o potencial dançável ('midnight affair' ou 'right there'). e se, em 2010 coisas como 'it's what you do (hottest by far)' ou 'for u' não se conseguiram impor, de pouco adianta conjecturar sobre essa matéria.


quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

o tempo é eterno

texto meu que era para ter saído no bodyspace, mas que já tinha sido alvo de apreciação pelo rafael santos. my bad. para não se perder (e porque foi um dos melhores discos do ano passado), aqui fica :

Hot Toddy – Late Night Boogie
Smoke ´N´ Mirrors – 2010

Intro : Súmula perfeita da maturidade da nu-disco em disco imune a armadilhas sazonais.

O Verão não é eterno. A ironia habita em Endless Summer (dos Beach Boys, do Fennesz) enformada pela nostalgia de um Verão que subsiste enquanto resquício último de uma felicidade truncada no tempo. O pretenso revival da balearic beat ainda tentou apregoar que a festa na praia ao abrigo das palmeiras e encharcada a daiquiris seria infinita, mas apesar do legado que perdura em malhas como a 'Coma Cat' (qualquer festa em 2010 devia ter passado por aqui), é necessário reconhecer a sazonalidade de tudo isto. A natureza cíclica tratar-se-á de conferir a necessária perenidade de todas estas movimentações. Apanhada no caudal da deep-house, a tendência nu-disco lá vai dispondo coordenadas um pouco por toda a parte. Como se a toda festa se seguisse um rescaldo e por diante, perpetuando o momento. Um contínuo.

Geograficamente, Metro Area epitomizou a vida urbana para assegurar um estatuto clássico, enquanto os Studio trataram de assegurar uma descendência (nem sempre saudável) que do areal populado de fake tans em roupas de linho brancas, rapidamente se despe para o jacuzzi. Enquanto centenas de canções têm direito a revisões de gente tão ilustre como o Todd Terje, outras ficam-se por disco edits ensimesmados. Uma estrutura capaz de albergar todo o Mundo e que os Mungolian Jet Set tentaram num acesso de brilhantismo megalómano conter em We Gave It All Away, Now We`re Taking It Back e do qual o Lindström tem vindo a escapar em tangentes intergalácticas.

Com Late Night Boogie o nu-disco chega à sua fase outonal, sem acessos de melancolia reflexiva. O nome é sucinto nesse carácter de pós-euforia feliz, com a capa a transparecer um sentimento enevoado que permeia essas horas tardias/madrugadoras. Assume-se declaradamente uma narrativa onde todas as partes fazem sentido. Metade dos Crazy Penis (rebaptizados de Crazy P, e cuja estreia com A Nice Hot Bath With... era isso mesmo), Chris Todd não quis enganar ninguém quando assumiu para as suas investidas a solo o nome de uma bebida alcoólica servida quente. Depois de quebrar um hiato de três anos com a lindíssima homenagem à deep-house que foi 'I Need Love' em 2009, Todd regressa aos álbuns 10 anos depois da estreia com Super Magic e com a tinha-tudo-para-ser-clássica 'Mindtrip' pelo meio.

Englobando todas as partículas que fazem do género um processo de constante mutação sem com isso preterir qualquer coerência estética interna, Late Night Boogie não é uma obra de aspirações grandiloquentes como o já citado álbum dos Mungolian Jet Set. Antes, um indicador fidedigno da vitalidade do género enquanto cápsula permeável a influências de toda a música de dança sensual (nunca exaltada) que acaba por ser transversal a qualquer datação temporal. Não fosse Late Night Boogie tão bom, e poderia até incorrer-se no risco de utilizar termos tão sofríveis como “sofisticado” e “suave” (e à memória dispensável dos late 90's da G-Stone e da K7!). Que, ainda assim, não fizeram mal nenhum a Silent Movie de Quiet Village.

Apesar do ritmo nunca se tornar impositivo, não existe nada que leve Late Night Boogie para o terreno meloso do downtempo. A espuma dos sintetizadores de 'Magnetic' dá azo a uma polirritmia que não destoaria de Remain In The Light e sobre a qual sobrevoam vozes processadas das mais diversas formas : robotizadas, etéreas, pitch shifted, em reverse. Sem nunca perder o fio condutor que é o groove. O princípio mestre que aglutina as referências funk, house, disco e tudo mais que é passível de coabitar naturalmente no espectro abrangido pelo título do disco.

Mais próximas daquilo que se entende como uma canção 'Freekend' e 'Won't Let Go' contam com a voz de Danielle Moore para resultados distintos. A primeira encarna o boogie como entendido nos anos 80, recorrendo a baixos gordos (não gordurosos) e a estaladas melódicas de sintetizador e guitarra para uma prestação vocal prenhe de respirações. 'Won't Let Go' é uma peça mais subtil que alimentada pelo sequenciador do baixo se vai desenformando parcimoniosamente aos comandos da voz lânguida. Na senda da placidez de algo como esta revisão de 'Melankoli', sem incorrer numa imagética tão presente, optando por um poder de sugestão mais intrigante até ao seu final. Pelo meio, 'On the 1AM' parte de uma batida simples, que pode anunciar qualquer coisa, para ir dispondo camadas e mais camadas de guitarras e sintetizador para uma densidade que apela à submersão. O termo hazy serve para isto.

'Down To Love' conta com a participação de Jennifer Rhonwen naquele que constitui o momento mais classy do álbum. O rhodes muito jazzy que, de outro modo, seria de um enjoo inenarrável, assume todas as suas propriedades sensuais, numa construção linear que, sem qualquer facilitismo, deixa que a voz de Rhonwen assuma o protagonismo com confiança. Uma naturalidade de processos que é reflexo de um disco que perdendo algum fôlego na segunda metade se ouvido atentamente de uma assentada, por via dessa mesma coerência interna, nunca se limita ao reciclar auto-fágico de ideias, e deixa para o final a doçura de 'Late Night Boogie' em tons de Synchronicity dos Police. Como que a acenar a tudo aquilo que a precedeu. Ou a perspectivar um novo começo.

para acabar com 2010

rescaldo possível e inconclusivo. ou os últimos fogachos de 2010 :

lista das 10 canções do ano para a redacção do bodyspace

alguns textos recentes :

kandi - kandi koated

diddy dirty money - last train to paris

nota para vicki leekx

nota para awaken

bill orcutt - a new way to pay old debts

^^sobre este último, pretendo deixar brevemente umas notas anexas que fugindo um pouco ao cerne do álbum, permitem-me extrapolar de um modo mais extensivo as noções de guitarra que procurei expor.


terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

quadro de honra #4

já eram para ter sido publicados faz tempo. entretanto a lista das minhas canções do ano do bodyspace já foi divulgada, mas aqui estão uns últimos (algo apressados) rabiscos sobre canções que deviam ocupar um lugar especial em algum lado :

ill blu - parachute

quando já estão mais do que expostas as tendências maximais dos ill blu no campo das remisturas pop, desvirtuando (para bom efeito) as prestações vocais para um campo onde se assemelham a meras sessões, 'parachute' eleva-se, nessa premissa, por via de um certo nervoso-miudinho subliminar que, de outro modo, a Cheryl Cole nunca poderia atingir. nem interessa invocar o original, quando esta é a versão que interessa, pouco preocupada em conceder protagonismo à voz banal (e terminantemente irritante) da Cheryl Cole para a imiscuir num arsenal sónico implacável, que ostenta todo o poder galvanizador dos sintetizadores para transformar a simplicidade do refrão ("baby if i got you, i don't need a parachute") num dos momentos mais memoráveis do ano transacto sem que se dê pelo rosto.

tyler, the creator - french

com tanta tendência para o onirismo e para a experimentalismo brute force, o hip hop mais aventureiro parece ter perdido tudo aquilo que fazia dele algo tão essencial quanto tendencialmente perigoso. ou seja, chegou-se a um ponto em que todo o risco é assepticamente dirigido para atingir um shock value que, enquanto statement, acaba por se revelar tão inofensivo quanto gratuitamente esperto. no colectivo odd future wolf gang will kill them all, tudo é exposto de um modo igualmente gratuito, mas é feito de acordo com um modus operandi tão displicente na sua sinceridade que, finalmente, a noção de perigo volta a ser palpável. talvez seja essa presença figurativa tão próxima da realidade a erigir uma singularidade fascinante (pense-se na sobre-exposição continua do lil b) de um miasma moralmente repulsivo. fruto do líder tyler, the creator, com participação do hodgy beats, 'french' está minada por uma imagética depravada ("i'm opening a church to sell coke and led zeppelin/ to fuck mary in her ass"), mas objectivamente dirigida com um propósito, nem sempre digno, mas de uma clareza intrigante. esta, passa por uma tensão latente que a produção corroba de modo fidedigno. o baixo agreste vai de encontro a sintetizadores estáticos e por todo o lado parece acercar-se uma desconfortável sensação de desconhecido. por aqui, tudo isto poderá bem ser o verdadeiro lifestyle destes putos da costa oeste.

jazmine sullivan - u get on my nerves

'holding you down (goin' in circles)' não foi a melhor escolha para single de apresentação de love me back. a produção faustosa da missy a camuflar uma canção que, de outro modo, seria facilmente esquecida e (utilizando o termo) anda em círculos sem se decidir. com as capacidades vocais da jazmine a incorrerem em alguns excessos ocasionais ao longo de um óptimo disco (como que a reclamar o protagonismo), 'u get on my nerves' é virtuosa no modo como toda a arquitectura sónica parece ir de encontro à canção e não o contrário, na verdadeira acepção de um dueto. tematicamente, recorre ao deteriorar de uma relação sob as duas perspectivas, com o ne-yo a dar réplica masculina ao atrito latente, culminando num refrão onde se canta "u get on my damn nerves" em uníssono, como que a reconhecer a culpa de ambas as partes. todas aquelas pequenas irritações, tão desnecessárias quanto naturais, e que numa escalada de fricção levam às grandes mudanças. vicissitudes.

mario basanov - up

o oposto de qualquer malha em que enfoque esteja no efeito omfg / didn't see that coming, 'up' é exemplar no modo como a sua construção linear consegue dispensar qualquer apetrecho tecnicamente notável para se assumir de modo brilhante como um daqueles objectos paradigmáticos da estratificação dos seus elementos com vista à gestalt. poderia extrapolar mais sobre as virtudes que fazem dela a melhor malha de house que ouvi em 2010, mas o tim finney salienta-as em toda a sua plenitude : "The entire purpose of this music is not to wow you with craft but rather to evoke a kind of empty but aching nostalgia for a moment that you may not have lived or even be in a position to imagine, and I increasingly suspect that for tunes to attain this specific vibe they need to be somewhat timeless themselves. Not in the boring rock critic sense, but in the sense of dance music which carefully evades as far as is possible the kind of timeliness that is so much dance music's appeal". e isto é tudo aquilo que eu poderia dizer. mas em melhor.

ariel pink's haunted grafitti - round and round

já muito se escreveu sobre 'round and round' e inegável constatar o seu brilhantismo no modo tão natural como resvala para a liga de "canções maiores do que a vida" sem forçar o mínimo de grandiloquência e permanecendo numa esfera eminentemente cool que açambarca tudo sem que se dê por isso. ouvi-la pela primeira vez num carro a caminho da praia com sol fez todo o sentido, mas 'round and round' subsiste de modo grandioso em qualquer habitat.

outras escolhas possíveis :

donae'o - i'm fly
devine collective - people keep dancing
chrisette michelle - unsaid
husalah - you neva know
trey songz - doorbell
breach - fatherless (doc daneeka remix)
tifa - nah stop shine
wacka flocka flame - hard in da paint
ciara ft. the dream - speechless
fantasia - man of the house