quinta-feira, 23 de setembro de 2010

identidade

apesar dos clássicos 'sirens' e 'reign' (recentemente alvo de uma remix de dumplin) serem a sua faceta mais visível, seria erróneo categorizar o hardhouse banton como um criador de riddims tendencialmente másculos de características grime. oferecida sem qualquer tipo de aparato, a compilação freebies vol. 1 permite constatar que o espectro vai muito para além dessa faceta. na verdade, aquilo que sobressai na obra dele é uma apetência para a criação de uma dimensão bem mais etérea do que seria previsível. precisa numa construção rítmica textural enquanto suporte para uma tangibilidade rarefeita e delicada na sua tensão alienante. freebies vol. 1 não procura ser, de modo algum, marca de água para as características do produtor, nem tão pouco almeja ser uma mixtape per se. encare-se como uma tentativa incoerente de juntar algumas das inúmeras pontas soltas de um género ainda refém da rádio (nada contra). desequilibrada, cai inevitavelmente em terreno desnecessário. ainda assim é impossível não destacar três malhas em particular:

peça fulcral para a compreensão do seu universo, a remix da 'turn it around' de alena é um daqueles exemplos gloriosos da capacidade cirúrgica da uk funky de transformar algo desinteressante/inócuo/intragável em algo infinitamente mais interessante de seu pleno direito, por via da restituição das suas premissas bases (remixes de ill blu para a 'one more lie' e roll deep), ou desvirtuando o seu elemento unificador até ao abandono ('better off as friends', 'find your love', etc.). neste caso, toda a euforia late 90's eurodance do original desaparece no vazio, para dar lugar a um misterioso exercício de final de noite, de sonambulismo psicotrópico. a batida segue uma lógica "one step forward, two steps back" em sintonia tensa com a melodia descendente. é neste precipício que a voz paira enquanto último resquício de um humanismo que se fragmenta no infinito aquando do refrão. e é mesmo este resultado final que prevalece, quando a memória já tratou de eliminar 'turn it around', e todas as questões (técnicas, ideológicas, etc.) em torno da sua origem deixam de ter qualquer tipo de significado.

duas malhas, até agora, desconhecidas partem de estratégias idênticas para acentuar a delicadeza que 'turn it around' insinua obliquamente. 'chase the earth' é aquilo que esperava que os n-10tainment pudessem vir a fazer depois de 'i pray' (acabaram por seguir uma lógica new age sofrível*). almeja uma mesma dimensão incorpórea (não querendo repetir este termo) sem se desapegar do apelo dançável, para a revestir de uma maior candura. habita um limbo arriscado, com esse lado etéreo em voos rasantes sobre o papel de parede pseudo-metafísico, mas acaba por resultar de um modo que não seria previsível. o reverb habita um pouco por todo o lado sem impor uma densidade sabotadora, com a voz a assumir contornos claramente condutores. talvez seja a minha capacidade de abstracção do seu lado cheesy, mas até aquela guitarrinha tropical me parece uma boa ideia.

'next to me' pode ser vista como o meio termo entre estas duas. num comprimento de onda similar a algo como 'make your move' do seany b, é reflexo do minimalismo melódico do seu autor. a estrutura polirrítmica linear enquanto suporte para uma melodia central ,que se vai repercutindo em camadas, até chegar a um refrão que acentue toda a tensão latente, é uma daquelas fórmulas que aprovo sem grande problemas analíticos. acabando por ser tão funcional quanto intrigante sem querer forçosamente deslumbrar.

*'peruvian high' acabou por me soar bem melhor do que qualquer aproximação a um tribalismo-lounge (?)

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

vias

ainda no rescaldo da rentrée escrevi sobre a mais recente demonstração da night slugs daquilo que é plausível de ser dançado. ou interpretado. deixei também alguns apontamentos sobre o primeiro investimento visual de bom gosto no seio da uk funky. e uma hipótese tangível de crossover.

deixei também o preconceito de lado e decidi-me a ouvir a 'square one', finalmente. bem melhor do que poderia supor vindo de um projecto com o nome de mosca. inevitavelmente, projectava-me para os territórios lamacentos de caspa ou rusko. assumpções infundadas.

'square one' é um peça fragmentada. justaposição cautelosa que nunca evolui numa lógica estrita, antes fazendo da sua própria mutação a razão de ser. nuanceada de modo a não resvalar para um frenesim iconoclasta, mas suficientemente intrigante, deixa habitar o toasting reduzido ao essencial (a palavra), num mesmo plano em que procede à desumanização de vozes soul. a batida conduz-se algures entre o balanço tribal e a síncope metalizada de um roska, sem se deter em qualquer campo, minando-o à força das expectativas. se o objectivo passava pela criação de um objecto alienígena, recluso no seu manancial ideológico para o despir de qualquer sentido referencial, o resultado é pleno. quem procure algum conforto e empatia terá muitas outras alternativas.

'nike' segue a mesma tendência para a estratificação de um modo (ainda) mais auto-consciente. e em sentido ascendente. progride do 8-bit até à house mais funky, com passagem pelos ecos do dubstep, de um modo tendencialmente pacifista. nunca impositiva, pauta-se por uma sobreposição cuidada de todos estes elementos com vista à imersão, repisando território familiar para lhe conferir uma identidade muito menos reconhecível. um paradoxo?

terça-feira, 7 de setembro de 2010

constelação vs. fosso

rentrée bem suculenta do bodyspace, com uma bonita montra da parte de todos aqueles que fazem dela uma casa de respeito. creio. da minha parte houve resenha para does it look like i'm here?. semi-desilusão vinda dos emeralds. comparação pálida com os recantos difusos de what happened e (espero) um necessário ponto de chegada para algo mais auto-sustentável.

bem mais entusiasmante tem sido a fruição lenta desse maravilhoso poço que é a colaboração da margarida garcia com a marcia bassett. beleza em suspensão assombrada por fantasmas do melhor drone possível. ou seja, com espaço. ganho à densidade sem recurso a estratégias lower case estéreis. mesmo que exigente. é aquele afogamento bom. se possível.